segunda-feira, 18 de outubro de 2010

ESTATUTO DA IGUALDADE RACIAL ENTRA EM VIGOR NA QUARTA-FEIRA, APÓS TRAMITAR DURANTE 10 ANOS NO CONGRESSO NACIONAL

Por Carolina Khodr e Renata Mariz - As medidas não são exatamente aquelas sonhadas pelos militantes do movimento negro que ajudaram o senador Paulo Paim (PT-RS) a redigir o projeto de lei 10 anos atrás. Mas o que sobrou da proposta, depois das tesouradas sofridas em uma década de tramitação no Congresso Nacional, entrará em vigor na próxima quarta-feira. Sonhado pelos grupos que combatem o racismo e atacado por quem considera mais preconceituoso ainda instituir políticas públicas de acordo com a cor da pele, o Estatuto da Igualdade Racial já começa a valer no Brasil suscitando discussões.

Os principais pontos criticados pelos próprios militantes em favor da igualdade racial no país concentram-se na ausência de temas considerados prioritários. “As cotas não poderiam ter ficado de fora, porque a sociedade não avança se não houver política afirmativa na área educacional. Retiraram também o dispositivo que previa a reserva de vagas nos meios de comunicação”, lamenta Nelson Inocêncio, professor da Universidade de Brasília (UnB). “Em toda negociação é preciso ter uma margem para ceder, mas o que houve foi uma mutilação do Estatuto.”

Para o ministro Eloi Ferreira de Araújo, da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, o único prejuízo do estatuto está no atraso de 122 anos. “Se na época da abolição da escravatura os negros já tivessem uma proteção legal que garantisse a igualdade de direitos, o desenvolvimento social do país teria sido mais harmonioso”, afirma Araújo. Ele atribui à nova legislação o início de uma caminhada rumo a um Brasil mais justo. “As ações afirmativas previstas no documento trazem ao mundo jurídico programas e ações para reduzir as desigualdades derivadas de 380 anos de escravidão.”

Sobre as políticas historicamente consideradas mais prioritárias quando o assunto é redução da desigualdade racial, Araújo prevê soluções em acertos futuros. “A cota é apenas uma das formas de colocar em prática as ações afirmativas. A fiscalização da presença de negros e de pardos nas universidades será feita com o Ministério da Educação e a Ouvidoria da secretaria. Já as cotas previstas nos partidos políticos, que também ficaram de fora do estatuto, serão matéria da reforma política. A representação da população negra tem que ser proporcional no Congresso e em outras esferas da política”, defende o ministro.

Na avaliação de frei David Raimundo Santos, diretor executivo da Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (Educafro), embora seja inegável que o estatuto perdeu muito de seu conteúdo para ser aprovado no Congresso, o documento poderá ter efeito na militância pelo país afora. Ele acredita que o conjunto de leis, apesar de genéricas, só pelo simples fato de existir, despertará o senso crítico dos negros carentes de oportunidades. Menos otimista que frei David, Nelson Inocêncio teme que a legislação seja apenas mais um documento sem desdobramentos práticos. “É a minha opinião e a de muitos que acompanham o tema.”

PRINCIPAIS PONTOS


Conheça alguns dos itens mais relevantes do Estatuto da Igualdade Racial

* Todas as escolas da educação básica terão de ensinar história geral da África e da população negra no Brasil. O tema já foi previsto numa lei de 2003, mas sem reflexo na prática.
* A capoeira é reconhecida como esporte e o governo deverá investir na prática.
* Libera a assistência religiosa em hospitais aos seguidores de cultos religiosos de origem africana.
* Comunidades quilombolas terão linhas de financiamento diferenciadas.
* Implantação, pelo poder público, de ouvidorias permanentes em defesa da igualdade racial.
* Adoção de medidas, pelo poder público, para coibir a violência policial de caráter racial.

QUESTÕES NÃO CONTEMPLADAS


* Reserva de cotas para negros em universidades, em programas de televisão e em partidos políticos.
* Incentivo fiscal para empresas que contratarem negros.
* Definição de quem são os remanescentes de quilombos para fins de regularização das terras ocupadas.
* Registro no Sistema Único de Saúde (SUS) fazendo o corte racial.

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