Por Dora Kramer - A declaração do ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, sobre a concessão indevida de passaportes diplomáticos a familiares do ex-presidente Lula, ao pastor mandachuva na TV Record e a parentes de parlamentares a fim de lhes facilitar o trânsito turístico alfândegas afora, não quer dizer nada.
"Nós estamos examinando a situação dos passaportes como um todo. É uma medida tomada pela administração anterior. Não tenho nada a acrescentar." Na realidade não tinha era nada a dizer, ante a impossibilidade de dar à situação a definição que ela merece: desmando.
A concessão dos documentos virou uma farra. E daquelas bem parecidas com as que ocorrem no Parlamento.
A justificativa de Patriota de que a decisão foi tomada na "administração anterior" poderia fazer sentido caso ele não fosse o segundo na linha hierárquica na referida administração, onde ocupava o posto de secretário geral do Itamaraty.
No Congresso, quando se descobriu a farra das passagens aéreas distribuídas indiscriminadamente a parentes, amigos, correligionários e funcionários de deputados e senadores que também as usavam para fazer turismo, a reação do Legislativo foi semelhante à do chanceler.
O anúncio de revisão da "situação como um todo" é uma excelente maneira de não tratar do assunto e principalmente de não corrigir o malfeito. Não é a regra que precisa ser revista, mas o procedimento na aplicação. A lei é claríssima quanto a quem tem direito e sob quais condições os passaportes devem ser concedidos.
O que se impõe ao novo chanceler não é a exposição de subterfúgios. É a explicação clara a respeito do que acontece no Itamaraty, há quanto tempo grassa a anarquia e por quais motivos a diplomacia brasileira funciona ao molde de uma confraria de privilégios, como ocorre no Congresso.
Antonio Patriota não estreia bem a função quando sai pela tangente e, assim, se alia aos arautos da tese de que a banalização do documento diplomático é uma irrelevância diante de tantos e mais sérios problemas a serem resolvidos no Brasil.
O País de fato tem muito a resolver. A diplomacia, celebrada como uma das mais competentes, profissionalizadas e avançadas áreas do Estado brasileiro, daria uma enorme contribuição ao farto cardápio de providências se incluísse entre suas prioridades a preservação da excelência do Itamaraty, no lugar de rebaixá-lo à companhia das demais mazelas nacionais.
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